domingo, 10 de outubro de 2010

Comentários sobre a psicologia e sua história (parte I)



Busquemos investigar brevemente a psicologia e os seus fundamentos. Comecemos por questionar a sua natureza, ou seja, o que a psicologia é. Ao fazer esta pergunta, como aponta Foucault[1], perguntamo-nos, também, se ela é uma ciência. A psicologia surge como proposta de ciência, amiúde, como consta nos manuais de História da Psicologia[2], considerada como “uma ciência independente”, resultado de um projeto de Wundt. Esta, no entanto, como se poderia observar, não é uma tese convincente; é uma tese demasiado personalista. Colocamos o projeto científico da psicologia todo a cargo do projeto de um indivíduo: Wilhelm Wundt. É certo que a fundação de seu laboratório em 1879 seja um marco na história da psicologia. Mas, aceitar isto como um evento sem estrutura é destruir a sua própria condição de estar na história. Colocar Wundt na gênese da psicologia é correto apenas em um sentido bem estrito: foi ele o fundador do primeiro laboratório – uma instituição localizável no tempo e no espaço – de psicologia fisiológica da história humana; por isto, ele foi o primeiro a se utilizar desta técnica no interior da estrutura científica consensualmente construída ao longo da história e vigente na época, com todo o seu aparato assertório ou afirmativo (do que pode e do que não pode ser dito), condicional (como pode ser dito e como não pode ser dito) e corretivo (do que foi dito, mas foi contradito e precisa ser, portanto, readequado, corrigido). Por outro lado, colocar Wundt na gênese da psicologia como proposta científica me parece errôneo: em primeiro lugar, Ernst Weber já realizava pesquisas antes da fundação do laboratório e os Elementos de psicofísica de Gustav Fechner já haviam sido publicados 19 anos antes (1860), o que indica que o projeto de uma psicologia científica já existia antes desta data; em segundo lugar, o próprio Wundt tem trabalhos de psicofísica publicados em 1862, embora escritos antes; em terceiro lugar, deve-se considerar que o termo psicologia já era usado séculos antes, por exemplo, por Kant em sua Lógica, mas com um sentido diferente; em quarto lugar, em acréscimo ao ponto anterior, que o termo psicologia científica é mais sintético (extensivo) do que analítico (explicativo), pois acrescenta algo (“científico”) ao que era considerada a psicologia anteriormente – em suma, um estudo dos elementos empíricos do sujeito pensante, os quais eram variáveis, o que era secundário na filosofia, já que a sua tarefa essencial, desde Descartes, seria determinar o eu apesar das variações empíricas, ou seja, o eu transcendental; em quinto lugar, que a fundação da psicologia não pode ser considerada como um evento isolado, tampouco personalizado, mas como uma tendência mais ou menos disseminada, apesar de esta disseminação aparecer ou não nos textos; em sexto lugar, de forma a acrescentar algo ao último ponto, que um texto específico e localizado não indica que o seu conteúdo também o seja ou que este texto seja a própria gênese deste conteúdo ou sua fonte, pois, apesar de não aparecer no texto, o intertexto (ou seja, aquilo que circunda o texto, em termos de tempo e espaço, e que o sustenta por suas relações com ele) tem a “potência” do dito do texto e tal circunstância pode levar o dizer à variação em tempo e espaço, ou seja, à sua disseminação, conforme dissemos anteriormente. Assim, parece que nos é mais razoável descartar a ideia de uma psicologia centrada em Wundt, a qual trata mais de dificultar o acesso ao que ela é do que facilitá-lo.
No próximo post, começaremos pela pergunta: o que é ciência para considerarmos a psicologia como científica?



[1] Psicologia e filosofia: entrevista a Alain Badiou (1965). Consta nos Ditos e Escritos, vol. 1.
[2] Ver, por exemplo, o famoso livro de Schultz e Schultz sobre o tema (História da psicologia).

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